sábado, 13 de agosto de 2011

VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO AFETIVA

extraído de: http://www.escritorjosefernand​es.com/visualizar.php?idt=3144​382


NO EPISÓDIO DO ÚLTIMO dia 4, a principal novela da Rede Globo de televisão, Insensato coração, exibiu a cena em que o personagem Vinícius mata a pancadas o jovem Gilvan, personagem homossexual. Vinícius, assim como alguns outros rapazes que compõem uma turma, deseja exterminar os gays do mundo. As novelas engajadas estão aí, levando para a ficção cenas que, como essa, lamentavelmente, fazem parte da vida real. Costuma-se dizer que a realidade é mais fascinante do que a ficção. Creio que podemos dizer, também, que seja mais terrível, mais monstruosa. Falarei aqui de um fato preocupante da nossa realidade: Falarei sobre as diversas manifestações de agressividade, de intolerância e de rebeldia, aparentemente gratuitas, entre os jovens, que têm aumentado a cada dia. Por quê? O que estará levando os nossos jovens a desenvolver esse tipo de comportamento? A resposta não é tão simples e pode ser estudada sob diferentes angulações. Apresentarei apenas uma das possibilidades de reflexão a qual imagino ser, talvez, a mais importante, que é: a falta de uma educação afetiva nas famílias.
O programa Fantástico, também da Rede Globo de televisão, no dia 02 de dezembro de 2007, passou a seguinte informação: “Quase 50 jovens são assassinados todo dia no Brasil”. A notícia causa impacto e suscita uma pergunta: quem seriam esses criminosos cruéis que estão matando os nossos jovens? Resposta: os criminosos cruéis que estão matando os nossos jovens são outros jovens. Ocorre no Brasil um fenômeno alarmante: os jovens compõem a parcela da população que mais morre e que mais mata. No quadro estatístico de homicídios na sociedade brasileira, os jovens e os adolescentes aparecem no topo. As pesquisas indicam que “(...) o perfil dos autores de homicídios dolosos (aqueles em que o agressor tem intenção de matar ou tem consciência do risco de provocar a morte da vítima) é composto, essencialmente, por jovens e adolescentes.” (Jornal O Globo On line, 09/02/07)[1]. E esses números, dessa época para cá, só mudaram para pior.
Para se ter uma ideia de como a violência da juventude tem ceifado vidas no Brasil, basta lembrar que o atentado de 11 de setembro de 2001, que derrubou as torres gêmeas do World Trade Center, nos EUA, provocou a morte de 2.749 pessoas, enquanto, com base no número acima referido de assassinatos, noticiado pela TV Globo, podemos concluir que, no Brasil, morrem mais jovens assassinados por outros jovens a cada 60 dias do que o total de mortos no terrível atentado em Nova Iorque. Isso, falando exclusivamente dos jovens que morrem assassinados pelas mãos de outros jovens, fora uma outra multidão deles que morrem de acidentes de trânsito, de overdose de drogas ou álcool, por suicídio, entre outras causas violentas.
Outra constatação é que a violência e o crime crescem a cada dia no meio da sociedade promovidos, também, pelas mesmas mãos de jovens que possuem diplomas e empregos. Acabaram-se aqueles tempos em que o cidadão urbano de bem sentia-se ameaçado por aquela figura suja, pobre e fedorenta do “pivete” ou do “trombadinha”, nomes pejorativos que deram aos bandidinhos que barbarizavam as pessoas pelas ruas da cidade. Os ditos pivetes e os trombadinhas ainda estão por aí. Mas eles caíram de moda e não mais monopolizam o terror. A violência urbana, agora, é também universitária, cheira a perfume importado, veste-se de grife e energiza-se com red bull.
As pessoas ficam abismadas e não compreendem quando a televisão mostra casos de jovens de boa ou excelente posição socioeconômica envolvidos em brigas de boates, rapazes de corpos malhados em academias, bonitos e com dinheiro no bolso, flagrados espancando homossexuais, prostitutas e empregadas domésticas pelas ruas da cidade ou pegos praticando furtos e vandalismos. Na maioria desses casos, os rapazes agressores são filhos de pais que, na infância, foram distantes afetivamente. De fato, esses jovens podem ter de tudo. Mas só no aspecto material. Eles podem vestir as melhores roupas, beber as bebidas mais caras, andar nos carros mais caros e frequentar ambientes de alto padrão. O que eles não têm é justo aquilo que seria fundamental para torná-los humanos, éticos e felizes, que é o afeto dos pais. Inclusive, as causas principais do Transtorno de Personalidade Antissocial, popularmente conhecido como “psicopatia”, são os traumas psíquicos vivenciados pelas crianças ao passarem por situações de desamparo, desprezo e outras formas de desafetos por suas famílias. Um indivíduo com profunda carência afetiva no lar torna-se um profundo agressor da sociedade. Por isso é que ele agredirá as pessoas sem que estas, necessariamente, lhes tenham dado algum motivo, pois o motivo está nele mesmo, no próprio agressor, que apenas precisa de um alvo externo onde descarregar a sua revolta.
A distância afetiva entre pais e filhos tem sido, entre todos os problemas de relação familiar, o maior deles. A irritabilidade, a rebeldia, a frieza no trato com as pessoas, a falta de sentimentos humanitários, enfim, todo um conjunto de comportamentos hostis que esses jovens miram na direção da sociedade pode ser intensificado ─ quando não originado ─ a partir do sentimento de abandono que o jovem desenvolve ante a distância constante dos pais. Essa distância, repito, não é aquela que se dá quando os pais estão fora de casa, por serem muito atarefados com trabalho e outros compromissos. Essa é a ausência física, que já é uma questão séria e causa muitos danos. Mas, aqui, estou me referindo precisamente à distância ou ausência afetiva, que pode ocorrer mesmo quando todos, os filhos e os pais, estão juntos dentro de casa.
Muitos pais costumam falar constantemente sobre os seus filhos, mas dificilmente falam com seus filhos. Os filhos sentem que os pais não lhes dedicam atenção, não por falta de tempo, o que já seria ruim, mas por falta de interesse mesmo por eles, o que é uma situação incomensuravelmente pior. Muitos pais não sabem sequer o nome da escola onde os filhos estudam, quem são seus professores, não se interessam por saber com quem eles andam, quais são seus anseios, seus sonhos, os conflitos pelos quais estejam passando, se eles têm projetos para o futuro. Sentir-se ignorado por quem quer que seja é um sentimento que atinge de cheio a nossa autoestima; sentir-se ignorado pela mãe, pelo pai ou pelos dois, ao mesmo tempo, é a pior sensação que um ser humano pode experimentar. Na verdade, o abandono afetivo dos pais provoca uma dor psíquica que o indivíduo não consegue suportar. E se não consegue suportar, essa sua dor emocional irá explodir de alguma forma. E é nas ruas que essa dor explode, convertendo-se em atitudes violentas gratuitas e absurdas, transformando esses jovens em verdadeiros predadores da sociedade.


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[1] Jovens lideram estatística de homicídios dolosos no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 17 mar. 2009.

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