terça-feira, 30 de agosto de 2016

Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio
que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
pois metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza
que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
mesmo que distante
porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que falo
não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimento
porque metade de mim é o que ouço
mas a outra metade é o que calo
Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
porque metade de mim é o que penso
e a outra metade um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste
que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
que me lembro ter dado na infância
porque metade de mim é a lembrança do que fui
e a outra metade não sei
Que não seja preciso mais que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o teu silêncio me fale cada vez mais
porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço
Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
porque metade de mim é platéia
e a outra metade é a canção
E que a minha loucura seja perdoada
porque metade de mim é amor
e a outra metade também.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016



 MARIA, VÁ COM AS OUTRAS
(Autor desconhecido)

Maria,
Quando nada for possível de ser mudado e a pré- história nos parecer, enfim, triunfar
Não se sinta como uma folha ao vento, ao
contrário, lute, esbraveje, desvie, coletive-se e lembre-se da opressão que não quer cessar Mas, Maria, vá com as outras!

Entenda a história, olhe para trás, clame por rosa luxemburgo
Levante bandeiras vermelhas
Deixe-as flamejar Defenda um projeto popular Mas, Maria, vá com as outras!

Não se deixe sucumbir, subsumir, oprimir Troque o tanque da cozinha pelos tanques de guerra
Transforme a vida, conjugue verbos no infinitivo:
revolucionar, emancipar, comunar
Erga o arco da promessa de Louise Michel
Mas, por favor, Maria, vá com as outras!

Aprenda, conheça e não esqueça
Das mulheres que fizeram sua história de hoje
Lembre-se de Frida kahlo, Aurora Furtado, e
Helenira Resende
Organize-se e milite em associações feministas e socialistas como Alexandra kollontai
Escreva como Clara Zetkin
E se prepare para estar no olho do furacão
Mas, lembre-se, Maria, vá com as outras!

E quando for necessário pegar em armas Não se furte de seus momentos de indecisão, dúvida, mas nunca de covardia
Grite contra todas as formas de opressão e exploração,
Esteja nas primeiras fileiras da revolução
Emancipe-se, autonomize-se,
Mas, com clamor, Maria, vá com as outras!

Mesmo quando a luta arrefecer
E mulheres e homens sucumbirem
Saiba que a existência determina a consciência
E que a voragem dos acontecimentos nos exigem respostas rápidas e coerentes
Mas, Maria, vá com as outras!

Abandone sua vida predicativa
Esse trabalho doméstico que oprime, estrangula, degrada e a reduz a apêndice dos homens
Construa um novo caminho e apesar das curvas e
contratempos
Pinte novas quimeras

Reconheça seu papel nesta sociedade desigual
Junte-se a classe trabalhadora
E deixe-a perceber, que é em você e em todas nós, que se encontra a parte mais combativa e abnegada da luta pelo socialismo
Mas, Maria, não desacredite, Vá com as outras!

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Miséria brasileira

Levantamento comparativo realizado pela Fundação Getúlio Vargas, sob coordenação do professor Nelson Marconi, revela que, no Tribunal de Justiça de São Paulo, alguns desembargadores receberam, entre janeiro e junho de 2016, ganho mensal líquido de R$ 100 mil. Em Minas Gerais, foram identificados ganhos maiores, próximos a R$ 200 mil.
Em média, um desembargador mineiro recebe salário mensal líquido de R$ 56 mil – quase R$ 20 mil acima do teto fixado pela Constituição para o funcionalismo.
Já em São Paulo, um desembargador recebe salário líquido de R$ 52 mil por mês.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, países com renda per capita maior e custo de vida superior, um juiz ganha R$ 29 mil e um desembargador, R$ 43 mil.
Aliás,no Brasil, magistrados, operadores da  Justiça, são os  que menos cumprem a lei.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Por que as pessoas gritam?
Um dia, um pensador indiano fez a seguinte pergunta a seus discípulos:
- Por que as pessoas gritam quando estão aborrecidas?
- Gritamos porque perdemos a calma...
- Mas, por que gritar quando a outra pessoa está ao seu lado?
- Bem, gritamos porque desejamos que a outra pessoa nos ouça.
E o mestre volta a perguntar:
– Então não é possível falar-lhe em voz baixa?
Várias outras respostas surgiram, mas nenhuma convenceu o pensador.
Então ele esclareceu: – Vocês sabem porque se grita com uma pessoa quando se está aborrecido?
O fato é que, quando duas pessoas estão aborrecidas, seus corações se afastam muito. Para cobrir esta distância precisam gritar para poderem escutar-se mutuamente. Quanto mais aborrecidas estiverem, mais forte terão que gritar para ouvir um ao outro, através da grande distância.
Por outro lado, o que sucede quando duas pessoas estão apaixonadas? Elas não gritam. Falam suavemente. E por quê? Porque seus corações estão muito perto. A distância entre elas é pequena. Às vezes estão tão próximos seus corações, que nem falam, somente sussurram. E quando o amor é mais intenso, não necessitam sequer sussurrar, apenas se olham, e basta. Seus corações se entendem.
É isso que acontece quando duas pessoas que se amam estão próximas.
Por fim, o pensador conclui, dizendo: “Quando vocês discutirem, não deixem que seus corações se afastem, não digam palavras que os distanciem mais, pois chegará um dia em que a distância será tanta que não mais encontrarão o caminho de volta.”

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade