domingo, 29 de agosto de 2010

Eleição sem política

MARCO ANTONIO VILLA
Folha de S.Paulo, 25.08.2010

Como um aluno relapso, a oposição faltou justo na hora da prova, a eleição

GANHAR ELEIÇÃO é uma possibilidade, fazer política é um imperativo. O Brasil poderá com esta campanha inaugurar uma nova forma de pleito presidencial: sem debate, sem polêmica, sem divergência e sem oposição.
Nas últimas cinco eleições tivemos disputa em três delas. Mas disputa mesmo, só em 1989. Em 1994 e 1998, FHC venceu Lula facilmente, as duas no primeiro turno.
Em 2002 e 2006, Lula foi como franco favorito para o segundo turno. Eu esperava que teríamos uma eleição diferente em 2010: sem Lula e com oposição que transformasse o pleito em um momento de amplo debate nacional.
Rotundo equívoco. Lula é candidatíssimo, aparece mais que Dilma. E pior: a oposição não apareceu ao encontro marcado. Como um aluno relapso, faltou justamente no momento da avaliação, a eleição.
Na República Velha, a oposição concorria sabendo que o resultado seria fraudado. Era o momento de, ao menos, marcar posição e acumular forças para um novo embate. Agora -e de forma surpreendente- nem isso está ocorrendo. Confesso que a cada dia que assisto ao horário eleitoral fico mais estarrecido.
Este triste panorama terá efeito direto sobre o Legislativo. Tudo indica que o futuro Congresso será muito mais governista que o atual. E também com um número expressivo de "deputados cacarecos", o maior da história recente, produto direto da inexistência do debate político.
A despolitização abre campo para que ex-jogadores de futebol, comediantes, cantores e celebridades instantâneas sejam considerados puxadores de votos para partidos de todos os matizes.
Outro efeito nefasto da despolitização é a permanência (e até ampliação) dos representantes dos oligarcas. Quase todos os sobrenomes que simbolizam o que há de pior na política brasileira estão apoiando a candidata oficial. São espertos. Tratam Lula como se fosse um dos seus. E, por incrível que pareça, ele acabou se transformando em uma espécie de "capo" dessas famílias.
Parodiando Sílvio Romero, no célebre discurso de recepção a Euclides da Cunha na ABL, Lula chegou "à suprema degradação de retrogradar, dando, de novo, um sentido histórico às oligarquias locais e outorgando-lhes nova função política e social".
A apatia política tem preço. E muito alto para o país. A fuga da oposição do debate, o medo do enfrentamento, a recusa de se opor, pode abrir caminho para um longo domínio do Estado por parte de um bloco conservador, sem espírito republicano, com tinturas caudilhistas e desejos de impor sua vontade à força.

MARCO ANTONIO VILLA é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar.

sábado, 28 de agosto de 2010

A importância de eleger bons senadores e deputados

Em ano de eleição, atenção aos eleitos para o Congresso Nacional, pois eles definirão o novo PNE

Estamos em pleno processo eleitoral, em que serão disputadas vagas de presidente da República, governadores, senadores e deputados federais, estaduais e distritais. É um momento de mudança ou de manutenção das pessoas que devem definir as novas leis, alterar as já existentes e, certamente, cumpri-las. Por tradição, tendemos a dar mais atenção às eleições para os cargos executivos (presidente e governador), até porque são mais polarizadas em poucos candidatos, que utilizam mais tempo na mídia. E dedicamos pouca importância aos pretendentes aos cargos legislativos, inclusive devido à imagem degradada por inúmeros casos de corrupção e pela confusão pelo fato de haver incontáveis concorrentes.

É bom lembrar que, não fossem os congressistas, as creches estariam excluídas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), conforme previa o projeto original do governo federal. E que, também graças a eles, o Brasil tem um piso salarial profissional nacional para os professores, só não implantado em todo o país devido à oposição de governadores e prefeitos. Seria possível listar outras ações essenciais dos legisladores, o que não faz deles santos e tampouco permite afirmar que sejam dispensáveis.

Os poderes legislativos, apesar do nome, têm funções muito mais relevantes do que apenas propor e votar leis. É claro que ter boas ideias e compromissos com uma legislação que aprimore os sistemas educacionais é importante, mas não basta. Senadores e deputados devem: fiscalizar as ações dos governantes; garantir que nós, educadores, possamos participar dos debates para a elaboração de novas leis educacionais; pressionar para que os poderes executivos cumpram a legislação que interessa à melhoria das escolas; denunciar e brigar para que leis prejudiciais à Educação não sejam implantadas; e defender governos com boas intenções ou se opor aos incompetentes.

Esses diferentes papéis podem ser exercidos ou não, dependendo tanto dos legisladores como de nós, eleitores. Precisamos eleger representantes comprometidos e cobrar deles intervenções coerentes com o prometido em campanha. De certo modo, a sociedade precisa se educar para a democracia fruir e, nesse processo, gerar legisladores educados que respondam à altura daqueles que representam - ou seja, a máxima de que os políticos são o reflexo da população, que inclui professores e gestores escolares.

Eleições são uma parte (pequena, é fato) da democracia - e esta deve ser vivida e construída cotidianamente. Em termos da Educação brasileira, nossos problemas principais não são a falta de leis ou a redação precária ou insuficiente delas, apesar de ainda podermos avançar. Nós conhecemos pouco a legislação, raramente somos consultados sobre as mudanças e não temos conseguido fazer cumprir as muitas (e boas) leis relacionadas ao ensino. Eleger bons legisladores é um caminho para melhorar a Educação, lembrando que os futuros congressistas têm como meta definir o novo Plano Nacional de Educação (PNE), o número máximo de alunos por sala de aula, o custo-aluno-qualidade e outros assuntos que vão afetar o nosso dia a dia.

Juca Gil

É professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Fonte: revistaescolaabril.com.br/Gestão Escolar

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Brasil está mudando...

DECISÃO PROFERIDA PELO JUIZ RAFAEL GONÇALVES DE PAULA
NOS AUTOS DO PROC Nº 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO:


A Escola Nacional de Magistratura incluiu em seu banco de sentenças, o despacho pouco comum do juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas, em Tocantins. A entidade considerou de bom senso a decisão de seu associado, mandando soltar Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, detidos sob acusação de furtarem duas melancias:

DECISÃO

Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.

Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)...

Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário apesar da promessa deste presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia....

Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?

Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.

Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.

Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo.

Expeçam-se os alvarás.

Intimem-se.

Rafael Gonçalves de Paula

Juiz de Direito