quarta-feira, 25 de maio de 2011

JORNADA DE TRABALHO NA SOCIEDADE MODERNA

JORNADA DE TRABALHO:

DURAÇÃO E NTENSIDADE

Asociedade moderna erigiu o trabalho, na forma do assalariamento, como sua atividade central. Em conseqüência, a jornada de trabalho ganhou espaço incomum tanto no terreno de estudo e pesquisa, em que floresceram as áreas da economia, da sociologia, da psicologia, da epidemiologia, do direito e da administração, quanto nas relações sociais em que se enfrentam classes sociais, governos e movimentos sociais com vistas a controlar as formas da regulação social.

A jornada de trabalho se expressa primeiramente pelo componente de duração, que compreende a quantidade de tempo que o trabalho consome das vidas das pessoas. A questão tem diversas implicações, três das quais são aqui destacadas: afeta a qualidade de vida, pois interfere na possibilidade de usufruir ou não de mais tempo livre; define a quantidade de tempo durante o qual as pessoas se dedicam a atividades econômicas; estabelece relações diretas entre as condições de saúde, o tipo e o tempo de trabalho executado .

Essas razões, muito além da curiosidade histórica, são suficientes para explicar porque os estudos de tempo de trabalho que se dedicam à análise da duração se tornaram socialmente tão relevantes.

A CURVA DA JORNADA A análise histórica da evolução da jornada de trabalho é feita com base nas experiências dos Estados-nações e das diversas categorias ocupacionais. Tomando como parâmetro a experiência das nações desde a constituição do sistema capitalista até hoje, é possível descrever (1) genericamente a duração da jornada por meio de uma curva composta de três elementos gráficos básicos: alongamento; jornada máxima; e redução da jornada.

Historicamente, o alongamento da jornada é encontrado na constituição das sociedades modernas como sociedades que generalizam a relação de assalariamento para a maior parte de sua força de trabalho e nos períodos que antecedem as revoluções industriais capitalistas, passadas e contemporâneas.

A imposição de um aumento da duração do trabalho para o conjunto dos trabalhadores de uma nação justifica integralmente a compreensão das sociedades modernas como sociedades do trabalho. Como ter-se-á ocasião de demonstrar mais adiante o alongamento da jornada não constitui apenas uma fase da experiência passada das nações. O aumento do tempo de trabalho pode retomar seu lugar na história, como sucede aos dias de hoje em algumas das potências econômicas mundiais.

A jornada máxima decorre do fato de que as pessoas têm uma capacidade máxima de trabalhar, apesar das variabilidades individuais, sem afetar as condições de saúde e de vida. Novamente, em termos históricos, os períodos em que a duração do trabalho dos assalariados tomou o maior número de horas por ano, são constituídos pelas revoluções industriais. O número médio de horas de trabalho por ano subiu das 2,5 mil horas nos períodos pré-industriais para 3 mil a 3,5 mil horas durante as revoluções industriais.

A historiografia desconhece períodos históricos que o patamar do trabalho tenha-se elevado a níveis superiores aos verificados durante a revolução industrial capitalista. Neles, o número máximo de horas por ano constitui um indicador de clareza meridiana sobre o grau de exploração a que os/as trabalhadores/as foram submetidos/as.

O último componente da curva da jornada é representado pela redução das horas de trabalho. Novamente, a historiografia mostra que, submetidos a um aumento da duração que elevou o trabalho até o ponto máximo da sua resistência humana, os/as trabalhadores/as reagiram a esse grau de dilapidação dos corpos e das mentes com movimentos políticos, com greves, empregando diversos outros instrumentos de pressão social e com negociação das condições de trabalho. Aos poucos, a duração da jornada vai sendo reduzida nos países mais ricos do mundo ocidental, como descrevem Evans, Lippoldt e Marianna (2): “as horas médias de trabalho nos países que pertencem à OCDE caiu de em torno a 3 mil horas por ano em 1870, para entre 1,5 mil e 2 mil horas por ano em 1990.”

A curva da jornada de trabalho não descreve apenas a experiência dos países de capitalismo inicial, como também é um elemento que permite a interpretação da experiência dos países de capitalismo tardio e dos países subdesenvolvidos.

Assim a curva da jornada pode aplicar-se ao caso brasileiro. Ainda que exígua, a pesquisa historiográfica que descreve a duração do tempo de trabalho na época da instalação das primeiras indústrias no Brasil do século XIX, mostra o aumento das horas relativamente aos padrões costumeiros anteriores de trabalho, e que esse trabalho excessivo foi motivação para inúmeras greves ocorridas em diversas cidades brasileiras (1). As greves alcançaram em boa medida seus objetivos específicos de controlar a duração desvairada do trabalho exigida pelo patronato. A partir de 1932, o Estado brasileiro interveio, nesse aspecto da questão social representado pela duração do trabalho, regulamentando-o por meio de decretos, mais tarde incorporados à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). É nessas condições que é introduzido o parâmetro das oito horas regulares de trabalho ao dia, quarenta e oito semanais, suplementadas pela possibilidade de acrescentar mais duas horas extras por dia, sempre que necessário. Vê-se que a regulamentação é particularmente favorável aos empregadores, levada em consideração a possibilidade de duas horas extras ao dia.

Um segundo ciclo de redução da jornada de trabalho no Brasil é aberto pela exitosa greve dos metalúrgicos do ABC paulista de 1985 e concluído pela generalização a todos/as os/as trabalhadores/as da redução da jornada de trabalho de 48 semanais para 44 horas promovida pela Constituição de 1988.

O efeito dessa redução da jornada de trabalho pela força da lei foi em grande medida frustrado pela continuidade da prática das horas-extras como atividade normal, tendo-se verificado um salto substantivo no número de pessoas que passaram a realizar trabalho extraordinário imediatamente após a promulgação da Constituição (3).

... A intensificação do trabalho é um fenômeno antigo na história do capitalismo ocidental. Foi descrito por Marx (7), que se valeu da metáfora da porosidade do trabalho para explicá-la. Tanto menos recortado por paradas, interrupções, tempos de descanso, intervalos de qualquer ordem – genericamente chamados de “tempos mortos” – mais intenso é o trabalho, mais energias são consumidas do trabalhador e mais resultados produz.

... Por um lado, a secular tendência de redução da jornada de trabalho perde força. Por outro , as condições de trabalho agravam sua intensidade e os requerimentos impostos aos trabalhadores/as, em meio a uma plêiade de outras tantas exigências paralelas. A combinação de tais elementos sugere fortes impactos sobre a saúde dos/as trabalhadores/as, em seus aspectos físico, emocional e cognitivo.

Sadi Dal Rosso é professor titular da Universidade de Brasília, no Departamento de Sociologia, onde leciona sociologia do trabalho. É autor, entre outros livros, de A jornada de trabalho na sociedade – O castigo de Prometeu (SP: LTr); Debate sobre a redução da jornada de trabalho (SP: ABET); A intensificação do trabalho na sociedade contemporânea (SP: Boitempo, no prelo).


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